O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO

J.D. Salinger
Páginas: 208
Editora: DO AUTOR
Você provavelmente já ouviu falar nesse livro. Tenho quase certeza que não pelo seu conteúdo, mas pelas referências que fazem a ele no cinema, na música e pela associação a algumas mortes. Se você já o leu, também é provável que tenha sido incentivado por tais referências e associações, assim como eu. Mas antes de chegarmos às referências, é preciso conhecer seu enredo.
A obra é um marco na literatura norte-americana, tida como um livro cult. Em uns Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial, prestes a se tornar a maior potência do mundo, J. D. Salinger deu voz aos adolescentes através do seu anti-herói (ou para muitos, apenas herói) Holden Caulfield. Naquela época (década de 50), não havia a percepção de cultura teen que temos hoje em dia. A adolescência era tida apenas como uma fase problemática de ligação entre a infância e a vida adulta. As pessoas não tinham o costume de dar vasão aos sentimentos, pensamentos, aflições e ideias no geral da galera entre 11 à 19 anos. Até hoje essa imagem rasa dos jovens é bastante dissipada por aí. Seus conflitos são quase sempre caracterizados como fase e não se dá grande importância a eles. Na verdade, de fato as crises adolescentes costumam ser apagadas com a chegada da fase adulta. São apagadas, mas não se extinguem por completo quando mal resolvidas, acarretando possíveis problemas psicológicos futuro, mas essa é outra história.
O Apanhador no Campo de Centeio retrata um final de semana na vida do Holden, que é um garoto rico que estuda em um renomado internato para garotos, o Pencey, depois de passar por várias escolas e acabar sempre expulso. O fim de semana começa justamente logo quando ele é expulso também do Pencey, no final do período letivo após tomar bomba em todas as matérias, exceto literatura. Com o fim das aulas, ele deveria ir para sua casa somente na quarta-feira, porém, com a expulsão, já estava dispensado no sábado. Se voltasse imediatamente pra casa, teria que lidar de cara com a fúria dos pais (outra vez) por causa de sua situação. Ideia impensável pra ele, que pretendia adiar ao máximo tamanho conflito. Outra opção seria ficar na escola, mas ele não suportava mais ficar ali. Então por fim acabou se arriscando Nova Iorque afora.
No decorrer da trama, narrada pelo próprio Holden em primeira pessoa, ele discorre sobre seus conflitos com os amigos de escola e com basicamente todas as pessoas com que se relaciona, que pra ele são babacas. Com uma linguagem até informal, fazendo uso de gírias e mesmo palavrões, a cada pessoa que ele encontra pelo caminho ele mostra, de forma curiosa, sua impaciência mediante a sociedade. Ele encara os outros personagens muitas vezes como fúteis, chatos, expõe suas manias, mas de certa maneira demonstra certo carinho por eles, de sua forma singular.
Por exemplo, logo no início do livro ele vai visitar um dos únicos professores que gostava na escola, para se despedir. De cara demonstra ter se arrependido de ter ido, exaltando coisas no homem que o irritavam. Mas mesmo assim ele foi, o que mostra seu jeito torto de gostar de alguém.
Nosso protagonista perdeu um irmão muito jovem para a leucemia. Isso é comentado algumas vezes durante a história, de uma forma pouco dramática, mas percebe-se que o fato contribuiu para sua personalidade “problemática”. Ele tem outros dois irmãos, um mais velho que é escritor, e uma de 10 anos, que é basicamente a única pessoa que ele não acha babaca no livro.
Essa personalidade dita como problemática se dá pelo seu desencaixe, talvez até alienamento, perante a sociedade. Ele não se encaixa nas escolas, com amigos, com namoradas... Tem uma inteligência notável, mas não consegue evitar tendências como mentir, que é um de seus vícios. Ele mente para as pessoas com uma frequência absurda, de forma automática e sem propósito. Se você perguntasse quantos anos ele tinha, diria 12 ao invés de 17 só por gozação.
O livro vai mostrando diversos acontecimentos nesse final de semana até seu final. Evitando spoilers, em meio aos acontecimentos, desde encontros com professores até encontros com prostitutas, o que fica muito perceptível é que Holden é um jovem que se considera sozinho no mundo, apesar de sua família, amigos e professores estarem ao seu lado. E ele não demonstra questão de mudar essa condição, pois considera as pessoas, sobretudo os adultos, farsantes. Não quer estar no meio dessa farsa. Isso é nítido até quando ele expressa que detesta cinema, pois lá as pessoas estão apenas fingindo, e quando demonstra desprezo pelo seu irmão que foi pra Hollywood escrever roteiros ao invés de continuar se dedicando aos livros.
Mas o que tornou esse livro tão aclamado pelo público, e tão referenciado?
Pra mim, a representatividade que ele gerou, talvez sem intenção. Todos nós já tivemos momentos Holden onde nos sentíamos alheio ao resto do mundo; todos já tivemos conflitos parecidos com o que ele mostra, como a sexualidade, a vontade de isolamento, entre tantos outros mostrados. Além de, como mencionado no início desta resenha, ter dado voz aos jovens quando poucos outros o faziam.
Salinger não foi inédito ao trazer uma linguagem mais informal e jovem para os livros naquela década, que faz com que a leitura do livro seja fácil e prazerosa. Mas o fez de forma marcante. Transformou um protagonista problemático em um ícone que representa a realidade de muitos de nós quando jovens.
Quando iniciei a leitura, ouvi de algumas pessoas pra ter cuidado pra não querer matar alguém quando eu terminasse (falaram de brincadeira, é claro). Porque a obra ficou manchada como referência do assassino de John Lennon, e pelo menos outros dois assassinatos. Eu o conheci através dessa história e pelas referências como em músicas do Green Day (que faz referência ao Holden em músicas como "Who Wrote Holden Calfield" e Guns n’ Roses em "Catcher in the Rye". Então minha curiosidade se aguçou. Eu meio que esperava encontrar algo de outro mundo que tivesse levado a galera ao delírio.
Talvez minha mente seja pouco lunática, mas tudo que encontrei foi a história de um jovem que não se encaixa no mundo e não faz questão disso. É claro que isso é mostrado de uma forma muito intensa. Você entra dentro da história, da cabeça e da vida do personagem e no final te traz um monte de reflexões.
É, sim, um daqueles livros que, quando você termina, não consegue ir fazer outra coisa na sequência. Precisa de um tempo pra refletir sobre. Esses são os melhores livros. E definitivamente entrou na minha lista de favoritos, por todas as abordagens, por toda sua profundidade.
Portanto, O Apanhador no Campo de Centeio faz jus a ser tão aclamado, e a leitura é mais que recomendada. É uma experiência cheia de perspectivas únicas, que te deixarão marcas.

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